Sistemas SCADA na Automação do Saneamento.

* Artigo originalmente publicado nas páginas 32, 33, 34, 36, 38 e 41, da edição 135, da Revista InTech América do Sul.

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INTRODUÇÃO

     Na busca por mais qualidade, agilidade, visibilidade, eficiência operacional, bem como redução de custos, as empresas de saneamento têm aplicado cada vez mais soluções inteligentes de telemetria, controle e automação em seus processos. Para facilitar a compreensão dos benefícios e vantagens proporcionados por estas tecnologias ao setor, é necessário melhor entender o processo de tratamento da água.

SISTEMAS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

     Os sistemas de abastecimento de água são responsáveis por captar água dos mananciais, tratá-la e distribuí-la à população de acordo com os padrões de qualidade exigidos para manutenção da saúde pública.

     O tratamento da água é de extrema importância, já que, uma vez contaminada, ela pode conter grande quantidade de agentes transmissores de doenças. Dentre as doenças veiculadas pela água, as mais comuns são: cólera, febre tifoide, hepatite tipo A, leptospirose, giardíase, amebíase, gastroenterites e esquistossomose. A contaminação pode acontecer via ingestão da água contaminada, de alimentos que tenham sido lavados com esta mesma água ou através do banho em águas poluídas.

     O processo de tratamento da água acontece da seguinte forma:

  • Captação da água do manancial: Normalmente, o ponto de captação da água bruta é protegido por uma grade para retenção de materiais grossos, como folhas, troncos e galhos. Após a captação, a água é bombeada até a ETA;
  • Pré-cloração: Inicialmente, é adicionado cloro sobre a água que chega à estação. O objetivo é facilitar a retirada de matéria orgânica e metais do líquido;
  • Pré-alcalinização: Depois do cloro, a água recebe cal, que serve para ajustar o pH aos valores exigidos nas fases seguintes do tratamento (pH igual a 7 é considerado neutro; pH abaixo de 7 é ácido e pH acima de 7 é básico ou alcalino. Para o consumo humano, recomenda-se um pH entre 6 e 9,5);
  • Coagulação: Nesta fase, é adicionado sulfato de alumínio, cloreto férrico ou outro coagulante seguido de uma agitação da água. Com isso, espera-se que as partículas de sujeira fiquem eletricamente desestabilizadas e mais fáceis de serem agregadas;
  • Floculação: Após a coagulação, há uma mistura lenta da água que serve para provocar a formação de flocos com as partículas;
  • Decantação: Neste processo, há uma separação dos flocos de sujeira formados na etapa anterior;
  • Filtração: Logo depois, a água atravessa tanques formados por pedras, areia e carvão antracito, responsáveis por reter a sujeira restante da decantação;
  • Pós-alcalinização: Em seguida, é feita a correção final do pH da água para evitar a corrosão ou incrustação das tubulações;
  • Desinfecção: É feita uma última adição de cloro no líquido antes de sua saída da ETA. Este processo garante que a água fornecida chegue isenta de bactérias e vírus à residência do consumidor;
  • Fluoretação: O flúor também é adicionado à agua. A substância ajuda a prevenir cáries;
  • Reservação/Distribuição: Após o tratamento, a água é conduzida para a rede de distribuição para abastecer a população.

Figura 1: Fluxograma do processo realizado na ETA Alto da Boa Vista (SP)
(Fonte: SABESP)

CONCEITOS E DESCRIÇÕES DAS TECNOLOGIAS UTILIZADAS EM SISTEMAS SCADA

     Os sistemas supervisórios, também comumente chamados de sistemas SCADA (Supervisory Control and Data Aquisition), podem ser definidos como sistemas distribuídos usados para monitorar e controlar recursos geograficamente dispersos, em situações onde a aquisição de dados (telemetria) e o controle remoto (telecomando) tornam-se pontos críticos. Estes sistemas são fundamentais para a operação, sendo, por este motivo, geralmente projetados para serem tolerantes a falhas, inclusive com redundâncias em sua configuração interna.

     Desta forma, os sistemas SCADA são capazes de obter os valores medidos em campo, transmiti-los e processá-los, de acordo com a necessidade e o objetivo do uso da informação, proporcionando as condições para aumentar a eficiência operacional, melhorar o atendimento e prover informações com maior velocidade às companhias para a tomada de decisões, tanto as operacionais quanto as administrativas.

     A figura a seguir demonstra, de forma simplificada, como informações da rede de abastecimento de água são obtidas em campo (nível de reservatório), transmitidas a um centro de controle operacional (CCO), onde são processadas, e se necessário, geram ações de controle em unidades remotas do sistema (comando de motores em unidade de bombeamento), com ou sem a intervenção de um operador do CCO (modo manual ou automático de operação, respectivamente).


Figura 2: Exemplo de arquitetura de supervisão e controle operacional em um SAA

     Estas informações, como o nível de reservatório ou os comandos para ligar e desligar um conjunto motor-bomba (CMB), podem ser recebidas e enviadas ao CCO através de diferentes meios de comunicação, sendo os mais utilizados baseados em rádio-frequência e nas transmissões pela rede de telefonia celular (GPRS). No primeiro caso, a comunicação é realizada por meio de uma rede dedicada, com o uso de rádios transmissores e receptores, além de antenas e outros elementos que possibilitam um fluxo de comunicação constante entre a estação remota e a sala de operação do sistema. Já no caso do uso da tecnologia GPRS, é utilizada a estrutura de comunicação da própria operadora de telefonia celular que disponibiliza chips de dados no momento da contratação dos serviços.

     Independente do meio de comunicação escolhido, tendo-se a centralização no CCO dos dados provenientes das estações remotas, um aplicativo desenvolvido em plataforma SCADA irá processar, com base em fórmulas e lógicas pré-definidas, e apresentar estas informações em telas específicas, determinando, se necessário, ações de controle e novos setpoints de operação. Além disso, o aplicativo gera alarmes, indicativos de tendências, gráficos e tabelas de registros históricos. A seguir, são apresentadas algumas telas típicas de um aplicativo SCADA utilizado em companhias de saneamento:


Figura 3: Telas típicas de um aplicativo SCADA em companhias de saneamento
(Fonte: CONTROLLE Soluções Tecnológicas)

     Nas estações remotas (ER), além dos equipamentos de comunicação, de um modo geral, adota-se uma estrutura modular composta por controladores lógicos programáveis (CLP), módulos de entradas e saídas (interface com os elementos de campo), fontes de alimentação, dispositivos de proteção contra surtos (DPS), entre outros. Desta forma, funcionando como uma ponte entre os elementos de campo e o sistema de supervisão e controle do CCO, as estações remotas recebem os sinais elétricos dos sensores de campo, convertendo-os em valores a serem enviados para o CCO. Também são capazes, de forma autônoma, com base nos valores recebidos, de atuar sobre o processo localmente, de forma automática ou manual, inclusive nos casos em que há perda da comunicação com o CCO. A Figura 4 apresenta um diagrama funcional dos modos de operação de um sistema automatizado para monitoramento e controle de uma ER.


Figura 4: Diagrama funcional de operação de um sistema automatizado

EXPERIÊNCIA NA SABESP

     Na zona leste da capital São Paulo (SP), atendida pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que abrange uma área de 1.461 km² e atende 3.744.736 habitantes, a automação iniciou em 1997. Nesta época, existiam mais de 70 operadores de sistema para verificar diariamente todos os equipamentos de bombeamento de água em campo. Isso gerava custos com combustíveis, manutenção de veículos, hora/homem, além de não garantir que os equipamentos estivessem operando durante 24 horas.

     Foi em função desta necessidade que a Sabesp resolveu implantar o primeiro sistema de automação em um booster (conjunto motor bomba utilizado para reforçar a pressão de água nas tubulações subterrâneas), sendo sua potência de 75 cv, responsável por abastecer o bairro Piratininga, na cidade de Itaquaquecetuba (SP).

     A partir de 2007, iniciou-se a automação em campo com a utilização de CLPs (controladores lógicos programáveis), transmissores de pressão, vazão e conversores de frequência. Processo esse que ajudou a reduzir em 20% o consumo de energia, gerando uma economia de R$ 120 mil em baixa e R$ 500 mil em média tensão, além de reduzir em 15% os índices de vazamento dos setores atendidos.

     Mais tarde, foi possível interligar o sistema de campo com o Centro de Controle e Operação (CCO), localizado no bairro de São Miguel Paulista, reduzindo os custos com veículos e equipe, pelo fato desta tecnologia propiciar um melhor aproveitamento de sua equipe de campo, já que a operação do sistema passou a ser realizada remotamente. Para atingir este nível de automação, a Sabesp utiliza a tecnologia de Telemetria/Telecomando com a ajuda de um software SCADA que agrega alto desempenho e conectividade em qualquer ponto da rede.

     Através do sistema implantado, hoje é possível ajustar remotamente as faixas de pressão de acordo com o horário de abastecimento via CCO, evitando assim sobre pressão nas redes de água, por exemplo. É também possível controlar 64 boosters, 15 EEATs (Estações Elevatórias de Água Tratada), uma ETA (Estação de Tratamento de Água), cinco EEEs (Estações Elevatórias de Esgoto), dois poços artesianos, 20 VRPs (válvulas redutoras de pressão) e 13 macro-medidores.

     Para a supervisão e controle do sistema, a Sabesp utiliza a linha de transmissão via cabo, denominada frame relay. Os painéis de monitoramento de rede com CLP e modem celular (tecnologia wireless via GPRS) são responsáveis por transmitir a informação do sistema em tempo real, inclusive no ponto crítico do sistema (local do último ponto a ser abastecido pela rede). Com o dado de pressão no último ponto da rede, por exemplo, é possível diminuir ou aumentar a velocidade do motor, aproveitando os recursos do conversor de frequência, e, com isso, o abastecimento é feito na medida certa, evitando excessos de pressão ou falta de água.


Figura 5: Arquitetura Frame Relay da Unidade Leste

     Com esta tecnologia, é possível utilizar diversos recursos importantes do sistema, como os alarmes, por exemplo. Assim, caso o valor medido ultrapasse os limites estabelecidos, é gerado um alarme instantâneo para a Central e o operador do sistema tem mais facilidade de tomar decisões, a fim de restabelecer as condições normais do sistema.


Figura 6: Sistema completo de monitoramento para um setor de abastecimento de água

     Com a ajuda da UGB de Automação (Unidade de Gerenciamento Básica), a Unidade de Negócios Leste-ML criará um PDA_ML (Plano Diretor de Automação) para facilitar os planejamentos de novos investimentos. Isto inclui o nível de gerenciamento de dados através da implantação de um software PIMs com a finalidade de auxiliar na elaboração de relatórios e gráficos de acordo com os indicadores de perdas e conceitos de IWA (International Water Association).

     Uma das ferramentas utilizadas é a tecnologia de automação que, por sua vez, tem ajudado os gestores nas tomadas de decisões de forma eficaz e eficiente. Através do uso da telemetria e de poderosos softwares SCADA, a Sabesp consegue reduzir os custos de produção de água, obtendo uma resposta rápida às necessidades ou problemas na produção, minimizar perdas, restabelecer rapidamente o sistema, e agregar maior qualidade na produção e gestão do sistema. A utilização destes recursos vem proporcionando um constante crescimento da empresa e do capital intelectual das pessoas. Desse modo, todos se desenvolvem, tanto o sistema quanto as pessoas. 

EXPERIÊNCIA NA CASAN

     A estação de tratamento de água de Morro dos Quadros, localizada na Grande Florianópolis (SC), é considerada a maior ETA do estado de Santa Catarina atualmente, tratando cerca de 2.200 litros de água por segundo, e respondendo pelo abastecimento de 70% da região metropolitana da capital catarinense.

     Nesta estação, foi recentemente realizada a automatização dos processos de monitoramento da qualidade da água bruta e tratada na estação, assim como de todo o sistema de dosagem de produtos químicos utilizados no tratamento. Através do sistema supervisório implantado, é possível ter-se um histórico de todas as quantidades de insumos utilizadas no tratamento, permitindo, ainda, o cálculo do custo do m³ da água tratada em tempo real, informação de alto valor estratégico para as tomadas de decisão da equipe gestora desta unidade operacional da companhia. 

     Antes deste projeto, os cálculos usados para determinar as quantidades de produtos químicos a serem utilizadas no tratamento eram realizados de forma manual, dificultando a atuação imediata nas situações de variações das características da água bruta entrante na estação, reduzindo a qualidade da água tratada e, em muitos casos, consumindo uma quantidade maior de produtos químicos do que aquela realmente necessária.

     Como demonstração disto, basta observar a capacidade do sistema automatizado em dosar as quantidades ideais, reagindo de forma imediata às oscilações físico-químicas da água bruta, algo que não era passível de identificação instantânea antes deste projeto. Assim, no momento exato em que ocorre, por exemplo, um aumento de turbidez da água captada devido a eventos externos, o sistema já identifica esta variação, tomando as ações necessárias para assegurar a dosagem exata do coagulante, a fim de reduzir a turbidez aos valores pré-estabelecidos.

     No processo antigo, estas perturbações pontuais dificilmente eram levadas em consideração, e quando eram, as novas regras operacionais eram inseridas pelos operadores ao processo apenas após todos os procedimentos manuais de análises, comprometendo todo o tratamento da ocorrência da perturbação até aquele instante.

     Apesar do curto espaço de tempo, já se pode afirmar que, a partir da implantação desta solução SCADA para supervisão e controle operacional dos processos de dosagem química da ETA Morro dos Quadros, associada a controladores inteligentes, e fazendo uso de malhas fechadas de controle, tem-se obtido padrões de qualidade da água tratada mais estáveis. Além disso, garante atendimento aos valores determinados pelas portarias e legislações vigentes, reduzindo ainda os custos com insumos químicos e possibilitando um novo investimento destes valores, por exemplo, na readequação de outros processos da estação, como sistemas de filtragem e decantação. Permite, também, a realização de constantes capacitações técnicas da equipe de operadores da estação.

     A Figura 7 apresenta algumas telas do supervisório, nas quais é possível identificar os valores referentes à dosagem instantânea dos produtos químicos, os históricos de vazão de entrada e saída da estação, entre outras informações relevantes.


Figura 7: Telas do sistema de supervisão operacional da ETA Morro dos Quadros
(Fonte: CONTROLLE Soluções Tecnológicas)

     A automatização do sistema de dosagem está proporcionando à CASAN um ganho operacional fundamental no tratamento da água. A possibilidade de terem, em uma única tela, toda a configuração do tratamento, garante um melhor controle de todas as etapas e, consequentemente, o fornecimento de uma água de melhor qualidade à população.

     Antes da instalação do supervisório, eram necessárias diversas manobras operacionais para ajustar a nova dosagem dos produtos químicos inerentes ao tratamento. Atualmente, tais procedimentos são realizados com mais agilidade, sem que o operador necessite se deslocar pela estação. A dosagem precisa dos produtos, por sua vez, gera uma enorme economia, fazendo com que o tempo de retorno sobre o investimento realizado para a automatização dos processos seja rapidamente recuperado, principalmente em estações de grande porte, como é o caso da CASAN.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

     Dada a vital importância da preservação do recurso hídrico para a manutenção da vida em nosso planeta, a gestão eficaz e otimizada dos processos relacionados ao tratamento e à distribuição da água torna-se ainda mais essencial.

     Do ponto de vista técnico, a utilização de soluções SCADA e PIMS tem possibilitado gerenciar toda a cadeia de produção e distribuição de água, agregando e consolidando informações operacionais, administrativas e estratégicas, e elevando, assim, a qualidade do produto fornecido ao consumidor enquanto reduz os custos associados a estes processos. Quando aliadas a indicadores de desempenho, como aqueles recomendados pela IWA (International Water Association), estas soluções computacionais tornam-se ainda mais robustas e eficazes, favorecendo a gestão estratégica com a adoção das melhores práticas em saneamento, baseadas em dados confiáveis e representativos.

     Para os chamados “profissionais da água”, a utilização destas inovadoras ferramentas tecnológicas, disponíveis na atualidade e focadas na evolução contínua dos processos de produção e distribuição de água, representa uma motivação a mais e, até mesmo, uma obrigação no sentido de assegurar a preservação do recurso hídrico e, consequentemente, a existência das novas gerações.

Glossário:
SCADA: supervisory control and data acquisition (supervisório de controle e aquisição de dados)
SAA: sistema de abastecimento de água
GPRS: general packet radio service (serviço de rádio de pacote geral)
CMB: conjunto motor-bomba
CLP: controlador lógico programável
ER: estação remota
ETA: estação de tratamento de água
PIMS: process information management system (sistema de gerenciamento de informações de processo)
VRP: válvula redutora de pressão

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